Sunday, October 5, 2008

Meu amor.


A ti, meu amor. Que me viste nascer, que sofreste por minha culpa, e que hoje me és tudo. Ás vezes porto-me mal, e ficas triste comigo, e eu sou demasiado orgulhosa para pedir desculpa. Fico á espera que passe, e passa. Passa porque és tu e me perdoas mesmo assim. Fazes de escudo entre mim e as guerras que travo comigo mesma todos os dias. Quando te telefono a meio da noite a chorar, com o coração nas mãos, e um aperto no peito, e não te importas de ficar acordada a consolar-me. Quando largas tudo e todos só para eu poder ficar deitada no teu colo a soluçar até á exaustão como se fosse pequenina outra vez. E quando todos ignoram e se descartam do incoveniente que é não rir perto de mim, tu amas-me. E eu também te amo, meu amor, meu sangue.



Sempre, sempre.

Tuesday, June 10, 2008

A Vila


Joshua, um jovem cheio de objectivos, e infidáveis ideias para o futuro. A vila chama-se Sadowoje. Está dividida em duas zonas distintas, e os habitantes de ambos os lados vivem em constante guerra e desavença pelas terras que circundam a localidade.
Ali, respira-se um cheiro pesado, a indústria, borracha queimada e a desespero.
Joshua vive na ala sul de Sadowoje. É uma zona humilde, sem casas luxuosas, longe da ribalta. A riqueza reside nos habitantes daqueles bairros.
No fundo, Joshua sempre sonhou passar para o lado norte, e encontrar a verdadeira felicidade, ser distinguido entre os demais. Ser admirado, sentir-se dono e senhor de algo, apesar de ele mesmo não saber bem de quê.
27 de Março de 1947. Uma senhora rica, de boas familias, aparentemente sem falhas na sua existência, visita a zona sul de Sadowoje. Ainda é jovem, e procura um 'servo' que lhe preste total vassalagem, sem porquês. A notícia correu bastante depressa, e em cerca de uma hora toda a gente sabia que Olga Andreev estava numa estalagem perto da beira-rio a entrevistar os candidatos ao posto de vassalo. Olga pretendia ser olhada como um ser de outra dimensão e foi isso que sucedeu.
Joshua também sabia disso. Mas estava lá. Direito, de camisa lavada, cabelo muito penteado. Sempre havia sido o seu sonho poder pisar a ala norte sem ser olhado de lado. Sabia muito bem que os seus companheiros de vida iriam tomar isso como traição, mas a vida naquelas circunstâncias parecia demasiado perfeita para renúncias.

-'Qual é o teu nome?'
-'Joshua, minha senhora.'
-'Parece-me bem.. és atraente e não pareces ter piolhos'
-'Obrigado senhora'
-'Muito bem, acabou a entrevista. Tu vens comigo.' - disse ela, sorrindo carinhosamente.

O coração de Joshua batia descompassadamente a medida que se iam aproximando da residência de Olga. Era um casarão sumptuoso, com jardins verdejantes.
Entraram no hall principal. Era escuro e frio, e cheirava a mofo. Contrastava bastante com o seu quarto pequeno e acolhedor, mas toda aquela grandiosidade parecia cegá-lo.
Seguiu Olga até ao piso superior, onde esta lhe apresentou o seu novo quarto. Era de tamanho médio, com um leito de ferro mal pintado, uma cadeira empoeirada, e um espelho com uma racha a meio.

-'Sais apenas quando eu te chamar. Não podes visitar a tua familia e amigos, não podes falar com os empregados. Fui clara?' - perguntou Olga, com um sorriso frio e cortante.
-'Mas, senhora..'
-'És livre de abandonar a casa quando quiseres. Mas por enquanto, segues as minhas regras.'

Passaram 2 meses. Olga parecia um ser humano bastante dócil, e Joshua sentia-se priviligiado por ter sido 'o escolhido'. A única coisa que o fazia recuar era a necessidade quase doentia de Olga de ser amada, de ser adorada, como se se tratasse de uma Deusa, semelhante a Vénus.
29 de Maio de 1947. Joshua vasculha na sua mala, e encontra uma velha fotografia, tirada com os seus velhos companheiros. Pela primeira vez sente falta da calma e tranquilidade desse tempo, de como se divertia, de como era feliz. Dias depois pensa em escrever uma carta, mas teme que Olga descubra. Decide desafiar a sua sorte. Olga descobre. Nunca Joshua imaginou tamanho descalabre, e que toda aquela perfeição que a casa e aquela mulher deixavam transparecer se tornassem demoníacos. Que iria fazer? Certamente nao ia ser aceite de volta na zona sul da vila, mas também não ia aguentar a psicose de Olga muito mais tempo.

Joshua Shapko acabou por se suicidar a 20 de Junho de 1949.

Foi demasiado fraco para enfrentar Olga. A sua familia do lado sul, tinha-o aceite de braços abertos. O orgulho e o sentimento de culpa não o deixaram ver que o amor pelos que nos são próximos, faz perdoar qualquer traição, ainda que tenha um sabor amargo. (...)


10-06-2008, Catalina Velasquez.